Sempre que os serviços ligados ao Facebook – ou a qualquer gigante do setor – apresentam instabilidade, o mundo percebe o quanto é dependente de poucos grandes players. O impacto é grande para as pessoas e para os negócios.
Está bem latente, nos últimos anos, o debate sobre o domínio da internet de forma centralizada em poucas empresas – e nossa dependência cada vez maior em função disso. Já aconteceu inúmeras vezes de uma aplicação como Instagram ou WhatsApp ficar fora do ar. É nestes momentos que prestamos atenção ao assunto, mas a pauta é permanente e está cada vez mais nítida para o grande público.
A principal consequência é não conseguir se comunicar ou até mesmo tocar o negócio, para quem vende e se relaciona com clientes utilizando esse tipo de aplicação. Isso tudo é afetado quando os serviços saem do ar, fazendo com que todos percebamos o quanto dependemos deles.
Entretanto, o problema é mais complexo e precisamos debater sobre o assunto de maneira mais efetiva. O avanço e acesso à tecnologia é fascinante, sem dúvida. Porém, as diversas camadas criadas para que tudo funcione de forma transparente podem nos levar a crer que comodidade e facilidade valem mais do que segurança, privacidade e até mesmo independência.
Cada vez mais, de alguma maneira, o que existe por trás de tudo isso está mais nítido, mas ainda não é suficiente. A grande questão é o controle dos dados e das ferramentas que utilizamos no dia a dia. Olhando só para a comunicação, no caso do WhatsApp e também do Facebook, centralizar tudo em uma ferramenta (ou mais de uma, mas ligadas à mesma empresa) é muito crítico para uma população.
Jaron Lanier, filósofo da ciência da computação e conhecido por ser o “pai” da realidade virtual, já alertou:
Não podemos ter uma sociedade na qual, se duas pessoas desejam se comunicar, a única forma que isso pode acontecer é se for financiado por uma terceira pessoa que deseja manipulá-los
Nesta semana tivemos mais um episódio: WhatsApp sai do ar, desta vez acompanhado de Facebook e Instagram. Muitos correm para o Telegram, alguns procuram outros serviços, como o Signal. No entanto, as soluções emergenciais privam os usuários de todo o histórico, arquivos e demais dados depositados nas aplicações que enfrentam problema.
O grande ponto é a descentralização urgente. Já existem muitas pessoas, comunidades, empresas e até governos buscando soluções descentralizadas. Isso não quer dizer que os usuários precisem acessar mais de um sistema ao mesmo tempo. Pelo contrário: a ideia é que se possa utilizar qualquer um, o de sua escolha, mas que também seja possível portar os dados sempre que quiserem.
Não depender de um único ponto central é a chave. Adicione privacidade, segurança e o foco nas pessoas – de verdade – e não no lucro, e aí sim podemos recuperar o pouco que sobrou da web aberta e ter um futuro menos distópico.
A descentralização, no que se refere a troca de mensagens e armazenamento de informações, é focada no fato de os dados serem nossos e não das empresas – e podermos utilizá-los em diferentes empresas e ferramentas. Se pudéssemos usar todos os nossos dados do WhatsApp no Telegram ou no Signal, não importaria se um deles caísse.
Um grande gargalo nessa discussão é que as empresas não querem que isso aconteça, já que dependem desse modelo de negócio para existir, na grande maioria dos casos. Os dados – para o Facebook, por exemplo – acabam sendo a parte mais importante. É dali que vem a receita.
Sendo assim, isso dificilmente vai mudar enquanto tivermos o tráfego e armazenamento de dados atrelados ao modelo de negócio. Por isso, a mudança mais uma vez depende de cada agente da sociedade que utiliza esses serviços. Outras empresas precisam achar alternativas para que aos poucos possamos hackear esse sistema em que aos poucos todos entramos.
É cômodo pedir comida utilizando uma solução do vale do silício. É incrível falar com a família, amigos ou colegas diariamente usando um serviço de mensagem americano. É confortável armazenar e confiar nossos dados a uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. É muito fácil comprar qualquer coisa no site da pessoa mais rica do mundo.
Mas até que preço? Ao que tudo indica, o preço é jogar no lixo uma das maiores invenções da humanidade – invenção que fez com que tudo isso se tornasse possível.
Este texto foi originalmente publicado no jornal Zero Hora, na edição de sábado e domingo (09/10/2021 e 10/10/2021).
E também disponibilizado no site da Zero Hora (paywall): https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2021/10/queda-de-whatsapp-facebook-e-instagram-ressalta-necessidade-de-debater-a-descentralizacao-da-internet-ckugzhehw0027019meu466ay0.html