Permanent Record é o título da autobiografia do Snowden.
Além de detalhes de sua vida desde a infância e passando pela adolescência, o livro conta em detalhes como Snowden expôs ao mundo o esquema de vigilância distópico elaborado pelo governo dos EUA.
Meu nome é Edward Joseph Snowden. Eu costumava trabalhar para o governo, mas agora eu trabalho para o público
- Edward Snowden
O livro inicia com a frase acima e com ela já temos o tom do que será a autobiografia.
Eu sempre simpatizei com o Snowden. Desde que o vi pela primeira vez na mídia e li sobre o que ele tinha feito, pensei comigo: Que cara corajoso e que cara que parece ser super “gente boa”.
Só alguém muito gente boa mesmo para praticamente abrir mão de sua vida em prol de outras pessoas, neste caso, todos os cidadãos dos EUA e consequentemente de todo mundo.
A coragem de Snowden é inegável. É ativismo na essência.
Mas eu não sabia de todos os detalhes da história, sabia apenas o básico: o cara vazou documentos importantes e basicamente trouxe à tona um esquema massivo de vigilância distópico elaborado pelo governo dos EUA que, em resumo, não só passava por cima da constituição americana, mas riscava, amassava e jogava no lixo os diretos mais básicos previstos pelos founding fathers.
Logo que saiu a autobiografia, corri para começar a ler para então finalmente conhecer um pouco mais desse marco histórico e também para conhecer um pouco mais sobre a pessoa por trás de tudo.
A liberdade de um país só pode ser medida pelo seu respeito dos direitos de seus cidadãos
- Edward Snowden
Essa frase diz muito sobre tudo que Snowden fez. Uma luta desleal e talvez incompreendida pela maioria. A luta pela liberdade.
E de fato, sabendo de tudo que Snowden sabia, tu faria o mesmo?
Acredito que alguém com o mínimo de senso comum, alguém que seja a favor da liberdade acima de tudo - e não da pátria e muito menos de deus - também talvez tomasse a mesma decisão.
O livro começa devagar, não devagar ao ponto de ser chato, mas a comparar com a metade para o final, o início é lento.
Ser lento no início não é um problema, pelo contrário, é nessa parte que podemos conhecer bem Edward Snowden.
Ao acompanhar sua infância, nota-se que Snowden foi uma típica criança que nasceu na era da internet e que foi introduzido ao mundo dos computadores muito cedo.
Alguns detalhes abordados no livro mostram que Snowden logo se aficcionou por tecnologia, games e programação.
Talvez essa tenha sido a base para ele logo se tornar um Hacker.
Até hoje, considero a década on-line de 90 a anarquia mais agradável e bem-sucedida que já experimentei
- Edward Snowden
De fato, a frase acima representa muito bem o que tivemos por um certo tempo na internet.
“Anarquia agradável” é uma ótima definição para a internet descentralizada dos anos 90 e início dos 2000.
O governo federal dos EUA sempre esteve presente na vida de Snowden.
Seu avô materno era almirante da marinha e depois passou pelo FBI.
O pai de Snowden também foi da marinha e sua mãe funcionária no U.S. District Court for the District of Maryland.
Sua expectativa desde que começou a trabalhar era de seguir o mesmo caminho que sua família.
Durante os capítulos, Snowden nos conta como em pouco tempo ele ascendeu na carreira e iniciou sua vida no governo federal americano.
Muitas pessoas devem ter passado pelo mesmo dilema que Snowden, mas ele foi o primeiro a se importar.
Afinal de contas, quem não gostaria de trabalhar no governo federal e ganhar um ótimo salário?
Snowden estava justamente nesta posição confortável quando começou a se incomodar.
Pouco a pouco Snowden foi juntando as peças, investigando e testando todos os limites de segurança.
Regra fundamental do progresso tecnológico: se algo pode ser feito, provavelmente será feito, e possivelmente já foi feito
- Edward Snowden
De fato, quem trabalha com tecnologia e entende como as coisas funcionam, sabe que Snowden está completamente correto na frase acima.
Ele inclusive provou ao mundo que os aparatos tecnológicos do governo federal dos EUA já estavam muito avançados no quesito “explorar ao máximo a tecnologia para criar sistemas de vigilância em massa”.
Ironicamente, Snowden era especialista em sistemas e em segurança. Esses skills foram justamente o que fizeram Snowden chegar aonde chegou em sua carreira.
Como seu trabalho tinha como pré-requisito acesso aos sistemas de segurança, naturalmente Snowden passou a entender o que rolava de podre por ali.
Eu tenho usado as duas frases a seguir como base de argumentação e educação quando estou falando sobre privacidade.
Dizer que você não precisa ou não quer privacidade porque não tem nada a esconder é supor que ninguém deveria ou poderia esconder algo, incluindo o status de imigração, histórico de desemprego, histórico financeiro e registros de saúde
- Edward Snowden
Perfeito! Existe muita suposição e nos acostumamos com a ideia errada de que privacidade online não é igual a privacidade na vida real.
Dizer que você não se importa com privacidade porque você não tem nada a esconder não é diferente de dizer que você não se importa com a liberdade de expressão porque não tem nada a dizer. Ou que você não se preocupa com a liberdade de imprensa porque você não gosta de ler. Ou que você não se importa com a liberdade religiosa porque você não acredita em Deus
- Edward Snowden
Perfeito! Só pelo fato de que tu pode não ter nada a esconder tu abre mão da privacidade? Pense bem aí, como tu se sentiria com alguém escutando 100% de suas conversas em casa? Não só isso, escutando, analisando e inferindo informações.
Pois é. Tu possui um Google Home ou uma Alexa?
Para não me prolongar mais, nos capítulos finais temos uma virada frenética.
Se no início o livro é calmo, do meio para o final parece um filme de suspense e ação.
Snowden conta cada detalhe, cada planejamento e cada execução.
Desde técnicas de engenharia social para driblar seguranças a sistemas anti-vigilância montado por ele para conseguir ficar anônimo.
Snowden também compartilha coisas íntimas, como fato de que sua decisão quase acabou com o seu casamento.
Sua ida a Hong Kong se fez necessária para a entrega de todo material aos jornalistas.
O grande esquema de vigilância foi exposto ao mundo e Snowden nunca mais colocou o pé nos EUA.
Um “whistleblower”, na minha definição, é uma pessoa que, através de uma experiência difícil, concluiu que sua vida dentro de uma instituição se tornou incompatível com os princípios desenvolvidos - e na lealdade devida - na sociedade maior fora dela, à qual a instituição deveria ser responsável. Essa pessoa sabe que não pode permanecer dentro da instituição e sabe que a instituição não pode ou não será desmontada
- Edward Snowden
Deixo aqui a matéria original do The Guardian: https://www.theguardian.com/world/2013/jun/09/edward-snowden-nsa-whistleblower-surveillance
E também a primeira entrevista de 2013 quando o caso ganhou o mundo:
Conclusão
Para quem se interessa pelo assunto, esse livro é essencial.
Para quem não entende muito ou não se interessa, também vale a pena, pois como comentei anteriorimente, isso é um marco histórico.
A narrativa do livro é super bem estruturada e nos conduz pela vida de Snowden, conhecendo seu background e os motivos dos quais o levaram a fazer o que fez.
Vale salientar também que todo o movimente gerado pós-Snowden já nos trouxe grandes avanços em relação à privacidade online.
Obrigado Snowden!