Imagem post voltei ao Twitter

O resumo

😨 Tava ruim, parece que piorou
☠️ O ódio continua lá firme, forte e crescendo
👥 Não é possível usar a plataforma para acompanhar seja lá qual for o assunto sem observar a enterna luta de lado A vs. lado B
🗣 Todo mundo continua erroneamente achando que deve dar sua opinião sobre todos os temas
💩 “Especialistas” e suas opiniões disfarçadas de conhecimento estão em seu ápice
🙄 A polarização está ainda mais latente do que antes
🤝 Não existe cooperação alguma em nenhum lado (com raras exceções, que normalmente só ocorrem em bolhas)
😺 Os memes de gatos continuam, mas isso é de boas


Imagem destaque post Social Detox (EuroTrip 2018)

Em julho de 2018 - mesmo sem ter lido Ten Arguments For Deleting Your Social Media Accounts Right Now de Jaron Lanier - eu saí do Twitter.
Na verdade, saí das principais redes sociais das quais eu participava, incluindo Facebook e Instagram.
Está tudo relatado aqui no blog, no post Social Detox/Rehab.
Bem antes de 2018 as redes sociais já haviam começado a me despertar uma certa angústia.
Para quem trabalha com/na internet, o entendimento dos impactos que ela traz para nossas vidas e para a sociedade já deveria estar mais claro, mas não está.
É aquela ideia do “só trabalho aqui” ou “só quero usar minha rede social e dane-se o resto”.
Não é raro o debate com alguém que trabalha com tecnologia e que cresceu na internet virar uma discussão inútil e sem sentido. Humildemente eu atribuo essa falta de entendimento ao desinteresse coletivo em todos os assuntos e aspectos que cercam a internet.
Infelizmente, grande parte da área de tecnologia, além de tóxica, é burra. É triste e irônico, mas é a mais pura verdade.
As pessoas querem trabalhar com tecnologia e viver apenas por isso. Não vou me isentar aqui, durante um bom tempo essa foi a minha realidade também.
É a ignorância na essência. Achar que se faz tecnologia por tecnologia. Achar que linhas de código são lindas e que acabam por ali, no compilador/interpretador.

Voltando ao foco, em resumo, meu principal objetivo ao sair das redes era simples na época: Não querer mais fazer parte da máquina.
Em meio a pandemia do COVID-19, tempo que escrevo esse texto, o “viver em sociedade” é basicamente viver em redes sociais (para quem está fazendo o isolamento 😒).
No ambiente virtual é mais fácil fazer o que fiz. Deixar de fazer parte das engrenagens do sistema está a poucos cliques.

Billy Doidão, da excelente animação Irmão do Jorel, ao descobrir as engrenagens do sistema

Voltar também é tão fácil quanto sair e cá estou no Twitter novamente.

Em pouco mais de um mês de volta a rede de Dorsey, já tenho embasamento o suficiente para poder falar sobre o antes e o depois.

🤔 O que mudou?

É com muita tristeza que digo: Nada mudou.
E é com mais tristeza que digo mais: Parece que piorou.
É importante salientar que essa visão é de alguém já “desintoxicado”. Com dois anos fora dos feeds, minha percepção é totalmente diferente de quem ainda continua rolando a timeline e fazendo fio (pelo que aprendi, “fio” é o jeito novo de chamar as threads 😐).
Mesmo que tu esteja lá mas não seja super assíduo(a), isso não te faz ter a visão de quem está de fora. E justamente esse é um dos motivos de eu ter voltado.
Eu queria poder comparar o antes e o depois, sendo que esse “depois” se encaixa em um período sombrio da nossa história.
Nos dois anos que eu estive fora das redes muita coisa mudou fora delas. E o mais louco é pensar que o que mudou fora delas está diretamente conectado com o que acontece dentro.
Além disso, em muitas vezes o que acontece no “mundo real” só acontece por conta das redes sociais.
Aquele papo de que “as redes sociais representam o mundo real” se tornou obsoleto lá no finado Orkut.

📑 O texto curto é um vilão?

Home do Twitter levemente alterada

O modo texto me parece ser um dos principais problemas.
Por modo texto entenda a comunicação em forma de texto curto, ou no caso específico do Twitter, a soma de vários textos curtos (fios, threads, replies, retweets).
Nesse um mês e pouco de volta ao Twitter não me surpreendi ao ver inúmeras vezes tweets de pessoas que admiro caindo na mesma problemática do ódio.
Estar no Twitter é um jogo constante de todos contra todos.

Vejam por exemplo esse caso:
Eu adoro o Henry Bugalho, um filósofo, escritor e YouTuber.
Henry faz um trabalho admirável e me parece ser uma pessoa super do bem.
Henry recebe ataques o tempo todo de grupos e simpatizantes do nosso governo lunático atual, mas até aí eu considero um fato fácil de se compreender.
Eu não espero nada diferente de apoidaores de lunáticos. O ódio é base mesmo.
Ao se posicionar contra a pirataria de livros, afinal de contas, ele é escritor e depende disso como parte de sua renda, Henry sofreu o mesmo tipo de ataque, porém, de pessoas dais quais notavelmente possuem o mesmo posicionamento de Henry em outras vertentes.
Não estou dizendo que Henry está certo ou errado neste caso da pirataria, até porque esse assunto é altamente questionável e não existe conclusão.
Também não estou dizendo que o posicionamento semelhante em algum tema isente o debate e a discordância.
O que observei nesse exemplo com Henry foi que o ódio de fato permeia todas as esferas, quebra muros, rompe barreiras ideológicas e segue firme sem piedade.
Não existe critério, não existe compaixão e não existe empatia, de jeito nenhum.
Ao presenciar pessoas que conheço e que sei que são tão do bem quanto Henry, atacando-o pelo seu posicionamento sobre um assunto tão complexo e subjetivo, só consegui ficar triste.
Algo semelhante aconteceu com o pessoal do Meteoro Brasil.
Não conheço o casal de apresentadores do canal, mas adoro seus vídeos.
É um conteúdo rápido e informativo. Seus vídeos não são teses de doutorado e também não são aulas de história, mas é um trabalho que julgo, no mínimo, interessante e até um lampejo de esperança no fundo do poço.
Ao fazer um vídeo comentando sobre o caso dos algortimos racistas do Twitter, o canal recebeu uma série de ataques de ódio, novamente, de pessoas “do mesmo lado”.
Estudiosos e estudiosas do tema ao se deparararem com um vídeo que não trazia um olhar mais crítico (o que é fato) se tomaram pelo ódio.
Eu até entendo, é um caso onde o trabalho poderia ter sido ainda mais útil, no entanto, ao não ser mais profundo o conteúdo não deixa de ser o pouco útil e informativo que é.
O que me deixa perplexo é essa forma de comunicação padrão baseada em ódio, raiva, xingamento e desprezo total do trabalho e pensamento alheio.

O ódio está contido já de forma praticamente nativa no Twitter e em outros lugares onde a comunicação se dá via texto - inclusive, esse é um dos motivos deste blog não ter caixa de comentários.
A polarização é absurda e navega despercebida pela grande maioria dos tweets.
Em uma festa ou show o padrão é gritar para ser ouvido, pois bem, polarizar e semear o ódio nas redes sociais já é socialmente aceito e ninguém mais liga para isso, ou pior, ninguém mais nem percebe.
Nesse tempo de volta, não vi uma discussão sequer que pudesse se tirar algum proveito. Nada que contribua efetivamente para qualquer que seja a questão.
Tá, eu tô sim exagerando. Se cavar bem e se desviar de todos os socos na cara, uma ou outra coisa de pertinente é possível pescar, mas haja tempo, paciência e sanidade mental.
Isso é péssimo e ainda mais tóxico no tempo que vivemos, onde cada indivíduo erroneamente acredita ter que dar sua opinião sobre qualquer tema, sem ao menos ter capacidade intelectual mínima para tal.
O Twitter é um acumulado de opiniões de todos os lados e fica difícil conseguir filtrar o que é válido e o que não é.
Falando ainda sobre os algoritmos racistas no Twitter, tema que ficou em evidência nas últimas semanas, é tanta opinião disfarçada de conhecimento e de estudo que é praticamente impossível olhar para o real problema.
Agora imagine, eu trabalho com internet desde o início dos anos 2000, sou programador, tenho uma boa experiência com tecnologia e um conhecimento conceitual razoável sobre inteligência artificial.
Há um bom tempo estudo e leio sobre os assuntos relacionados ao impacto da tecnologia na sociedade.
Mesmo assim, nesse tópico, eu vou precisar correr para outras soluções para conseguir me informar melhor sobre o assunto.
Dito isso, acho que é esse o ponto principal mesmo. Não existe possibilidade alguma de se debater, conversar ou discutir de forma saudável no Twitter.
Inclusive, talvez a expectativa de se informar pelo Twitter não faça nem sentido.
Quais materiais eu devo estudar para entender determinado problema?
Devo ficar com o que o lado “A” defende com unhas e dentes ou com os fios intermináveis do lado “B”?
Acho que não da para querer se informar e aprender algo utilizando essa ou qualquer outra rede social.
Talvez essa tenha sido a grande falha desde o princípio.

Como citei anteriormente, há quem diga que o comportamento nas redes sociais é apenas um reflexo do mundo real e da ação humana.
Esse pensamento não está 100% errado, entretanto, esse é um olhar simplório.
Existe um fator importante a ser levado em consideração: a exponencialidade da tecnologia e das soluções criadas em cima desse avanço tecnológico e consequentemente psicológico.
É humanamente impossível acompanhar uma rede social, não existe uma maneira de se “emular” uma conversa do mundo real em uma rede social.
Twitter e seus semelhantes abriram um portal desconhecido. Sem se importar e nem pensar nas consequências, mergulhamos de cabeça e agora estamos sentindo o efeito colateral.

Refs e créditos

Imagem de destaque de Claudio Schwarz: https://unsplash.com/photos/FMJAYeRwtDY